sábado, 2 de julho de 2016

Estado Islâmico e a destruição da História

By Fulvio Spada (https://www.flickr.com/photos/lfphotos/5198115876/) [CC BY-SA 2.0], via Wikimedia Commons
Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 20 a 26 de junho/2016 | Ano 10 – Nº 733.

Marcos Antonio Fiorito *

Destruir um templo historicíssimo construído por povos da antiguidade, em nome da religião maometana, alegando combate à idolatria, é algo que nos reporta a tempos de franca obscuridade cultural e intolerância. Sem contar que não são templos em atividade, são apenas relíquias do passado, que nos ajudam a contar melhor a história da civilização.

Lamentavelmente, é algo que se tornou habitual para os militantes do Estado Islâmico. Como se fosse preciso destruir a História para que o passado não sirva de ameaça ao quiçá triunfo da religião maometana, num futuro próximo.

Entre os lugares históricos que já foram alvos da ira terrorista, conta-se o Templo de Baalshamin, na cidade de Palmira, na Síria, que data do século II da era cristã: Dura Europos, cidade na fronteira da Síria com o Iraque, local que teve especial importância no século III a.C.: a cidade de Mari (séc. XXX a.C), um dos nichos arqueológicos mais importantes da fronteira Síria com o Iraque; o mosteiro do mártir Santo Elian de Homs, local de peregrinação dos cristãos. Também a cidade de Apameia foi terrivelmente saqueada e destruída. Atacaram as ruínas da antiguíssima cidade de Nínive, o mesmo fizeram com Hatra, construída pelo Império Selêucida. Explodiram a biblioteca de Mossul, pulverizando documentos importantíssimos da história árabe e devastaram as ruínas de Nimrud, construída há 32 séculos.(1) Paremos por aqui…

O certo é que o prejuízo cultural e arqueológico são imensos e incalculáveis. São patrimônios da humanidade que se perdem para sempre, não há como recuperá-los, como as muralhas de Nimrud, destruídas pelo Estado Islâmico com tratores, escavadeiras e explosivos.

Contemplando o que restou de uma cidade como Palmira, tem-se a sensação de que com ela também morreu parte da identidade histórica da humanidade, pois o mundo conserva os resquícios do passado para compreender com mais exatidão o seu presente e projetar melhor o seu futuro.

Os monumentos da antiguidade que chegaram heroicamente até nós — resistindo a terremotos, furacões e guerras — são como testemunhas do tempo, que atestam a existência de povos e culturas extintas, assentados majestosamente sobre os seus alicerces, como as pirâmides do Egito e o Coliseu de Roma. São obras que confirmam maravilhosamente a narrativa dos historiadores.

Destruir os marcos preciosos da história é o mesmo que apagar o passado, pelo menos em parte, condenando a humanidade a permanecer sem memória. Assemelha-se ao que disse o grande orador romano Marco Túlio Cícero, quando assinalou que “não saber o que aconteceu antes do teu nascimento, seria para ti a mesma coisa que permanecer criança para sempre”.

Estamos assistindo a uma destruição que só é comparável à devastação dos bárbaros na época do Império Romano. Aquela gente, com suas hordas furiosas, derribou construções imponentes e assolou cidades majestosas que, outrora, fizeram a glória dos senhores do mundo.

Quando nos deparamos com tanta selvageria, crueldade e ignorância, somos tentados a dar razão ao poeta irlandês James Joyce, cuja opinião é de que “a História é um pesadelo do qual tentamos acordar”.

(1) Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2016/01/13-locais-historicos-destruidos-pelo-estado-islamico.html

* O autor é teólogo e redator católico

(Autoriza-se reprodução do artigo com citação do autor.)

Veja também: Você já se perguntou por que existe?

Você já se perguntou por que existe?

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Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 06 a 12 de junho/2016 | Ano 10 – Nº 731.

Marcos Antonio Fiorito *

Tão antiga quanto o mundo civilizado é a pergunta “por que existo?”. Sem dúvida é comum, em determinado período de nossa vida, pormo-nos o problema de nossa existência, mesmo porque a rotina do dia-a-dia cansa, dando-nos a sensação que nosso viver não tem sentido. E isso não tem relação alguma com depressão, é simplesmente um problema existencial que atormenta a alma dos seres inteligentes.

Espantoso é imaginar o contrário, que a pessoa viva sem, ao menos uma vez, se importar com a razão de seu existir. Os grandes sábios gregos viviam entrecortados pelo problema teleológico… A teleologia estuda a finalidade, o objeto e o propósito do universo. Ela considera os seres quanto ao fim a que se destinam. Num de seus livros sobre a física, Aristóteles afirma que o fim é o princípio das ações humanas, sendo que o fim último do homem é a felicidade.

Na Grécia antiga, de tal forma os homens mais civilizados se punham o problema de o porquê existiam, que existir passou a ser objeto de estudo. Parmênides é o filósofo que inaugurou o estudo do ser (ontologia), pois procurava compreender o ser na sua totalidade. E note-se que ele voou alto, chegou mesmo a conceber que existia um Ser por excelência: uno, eterno, que não foi gerado e imutável. Ou seja, somente pela razão chegou a um conhecimento de Deus muito aproximado do conceito cristão.

E o homem da antiguidade peregrinou entre mitos e deuses até que, com o nascimento de Cristo, a humanidade conheceu a Revelação que lhe apontou como fim parcial conhecer, amar e servir a Deus e como fim último gozar da visão beatífica na eternidade. São Tomás de Aquino afirma que esta visão é um “bem perfeito”, pois “aquieta todo desejo”. Ou seja, no Céu estaremos plenamente felizes, nenhuma insatisfação nos incomodará.

De uma forma toda ela permeada de beleza, o catecismo da Santa Igreja, em dois de seus parágrafos, resume a história da salvação, a finalidade para a qual nascemos e o destino final da criação:

“Deus, infinitamente Perfeito e Bem-aventurado em si mesmo, em um desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para fazê-lo participar de sua vida bem-aventurada. Eis por que, desde sempre e em todo lugar, está perto do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-lo, a conhecê-lo e a amá-lo com todas as suas forças. Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade de sua família, a Igreja. Faz isto por meio do Filho, que enviou como Redentor e Salvador quando os tempos se cumpriram. Nele e por Ele, chama os homens a se tornarem, no Espírito Santo, seus filhos adotivos, e portanto os herdeiros de sua vida bem-aventurada” (§1).

“A glória de Deus consiste em que se realize esta manifestação e esta comunicação de sua bondade em vista das quais o mundo foi criado. Fazer de nós ‘filhos adotivos por Jesus Cristo: conforme o beneplácito de sua vontade para louvor à glória da sua graça’ (Ef 1,5-6): ‘Pois a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus: se já a revelação de Deus por meio da criação proporcionou a vida a todos os seres que vivem na terra, quanto mais a manifestação do Pai pelo Verbo proporciona a vida àqueles que veem a Deus’. O fim último da criação é que Deus, Criador do universo, tornar-se-á ‘tudo em todas as coisas’ (1Cor 15,28), procurando, ao mesmo tempo, a sua glória e a nossa felicidade” (§294).

Infeliz da civilização pós-moderna, que vem perdendo a fé e o sentido do sagrado, revolvida que está na futilidade, nos prazeres transitórios e no lufa-lufa diário, veleidades que jamais preencherão o seu vazio.

* O autor é teólogo e redator católico

(Autoriza-se reprodução do artigo com citação do autor.)

Veja também: Será o fim da civilização europeia?