domingo, 28 de agosto de 2016

Os Dez Mandamentos e o mundo moderno

Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 15 a 21 de agosto/2016 | Ano 10 – Nº 741.

* Marcos Antonio Fiorito

Gebhard Fugel [Public domain],
 via Wikimedia Commons
A tradição judaico-cristã nos transmitiu através das Sagradas Escrituras a empolgante história da saga de Moisés e o povo hebreu em busca da Terra Prometida. Entre os acontecimentos prodigiosos narrados no livro do Êxodo, temos o dia em que o Senhor entregou a Moisés os 10 Mandamentos, escritos em duas tábuas de pedra (Ex 20, 1-17).

Há quem pergunte, naturalmente, se faz sentido hoje em dia observar leis tão antigas, se elas não estariam obsoletas. Neste sentido, assistia outro dia a uma aula online de ética com um renomado professor de Filosofia e Direito de São Paulo, merecedor de todo respeito e louvor, visto que, provadamente, ele tem um vasto conhecimento, uma invejável didática e uma cativante oratória. Além de tudo, fala com propriedade e autoridade. Ou seja, tem muita competência para tratar sobre questões relativas à ética e moral, e muitas outras coisas... No entanto, quando ele falava do conceito kantiano de moral, chamou-me a atenção uma afirmação dele com respeito aos Dez Mandamentos.

Segundo ele, dez preceitos cobrem insuficientemente o universo de problemas éticos e morais existentes entre nós. Ele argumentava que se em vez de 10 fossem 1000, também não adiantaria, pois novos problemas surgem todos os dias. Depois de aparentemente defender o princípio moral de Kant, que se pode resumir mais ou menos assim: “Se você tem um princípio que concebe como verdadeiro, se você vive esse princípio e gostaria que as outras pessoas também o respeitassem, agissem dessa mesma forma com você, então isso está de acordo com a moral”. Algo parecido com a famosa máxima: “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem com você”. Na mesma linha, ele próprio recordou o mandamento cristão que pede que amemos ao próximo como a nós mesmos.

Será verdade que para os problemas morais de nossos dias os 10 mandamentos são insuficientes? Se nós raciocinarmos com base nos moldes modernos, onde temos calhamaços e calhamaços de códigos com leis, reformulados todos os dias por nossos legisladores que lhes acrescentam leis novas, evidentemente não se pode conceber que apenas 10 preceitos irão dar conta. Mas se pensarmos que o Decálogo (do grego, “dez palavras”) resume perfeitamente os princípios que devem reger as leis dos homens, segundo a ordem natural, então tudo muda.

Um estudo sério em torno dos 10 Mandamentos aponta para o fato de que eles são divina e genialmente concebidos, já que deles pode se depreender inúmeras outras leis. Por exemplo, não havia nos tempos de Moisés gente que consumia drogas como hoje; havia, sim, embriaguez pelo uso imoderado do álcool, e há quem diga que já havia o uso de algum tipo de erva alucinógena... Seja como for, aplica-se aqui Independentemente de qualquer coisa, pode-se aplicar perfeitamente o 5º Mandamento, que proíbe o assassínio, pois são substâncias que intoxicam e prejudicam de forma severa a saúde.

Fala-se em costumes novos que desafiam as nossas leis, como a era digital, que traz hábitos e crimes totalmente inéditos. Porém tudo isso pode ser, de alguma forma, compreendido pelos Mandamentos. Por exemplo, um jovem que passa o dia todo diante do computador jogando ou vendo pornografia transgride o 1º Mandamento, que ordena amar a Deus sobre todas as coisas; transgride também o 6º Mandamento, porque peca contra a castidade; e, provavelmente, fere o 4º Mandamento, porque os pais devem continuamente pedir a ele que use o computador de forma razoável e moderada, no entanto ele os desobedece...

Assim poderíamos aplicar indefinidamente os Mandamentos sobre tantos fatos e hábitos inusitados. Ou seja, longe de ser obsoleto, o Decálogo é perfeitamente atual e normatizador.

* O autor é teólogo e docente de ensino superior

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Você tem medo ou você tem fé?

photo credit: Eu via photopin (license)


Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 1º a 7 de agosto/2016 | Ano 10 – Nº 739.

Marcos Antonio Fiorito *

Já tivemos oportunidade de mencionar aqui, num artigo sobre a existência de Deus, o comentário de Somerset Maughan, escritor britânico nascido no século retrasado. De forma surpreendente e contraditória, ele afirmou ter chegado à convicção de que Deus não existe, porém não havia conseguido alcançar a mesma certeza no respeitante à existência do Inferno. Paradoxal, não?

Vejamos mais um caso curioso: Voltaire, nascido no final do século XVII, embora fosse deísta, abominava a Igreja Católica e os cristãos de modo geral. Escreveu material abundante contra as verdades do cristianismo. Entre suas obras, temos o Dicionário Filosófico, cujo conteúdo é um ataque sistemático ao catolicismo e aos seguidores de Jesus de Nazaré. Nessa obra, tenta desconstruir os dogmas e tudo quanto se refere à Igreja. Porém, já avançado em idade, quando saía de uma cerimônia em sua homenagem, teve dores horríveis no estômago, regurgitando sangue abundante. Em casa, pediu um padre para confessar os seus pecados… O superior do religioso, no entanto, exigiu que para que ele recebesse os sacramentos, antes fizesse uma retratação por escrito que valesse como uma forma de reconhecer seus erros. Assim foi feito e o documento registrado em cartório a fim de que não houvesse sombra de dúvida que Voltaire, o ímpio, havia reconhecido seus pecados e assinado uma declaração de arrependimento. Foi atendido em confissão, recebeu os últimos sacramentos e, prodigiosamente, recobrou a saúde.

Tão logo Voltaire encontrou-se recuperado, viu seus amigos de impiedade acusarem-no de frouxidão, de superstição, de prostrar-se aos pés de um sacerdote por medo dos castigos divinos, etc. Então, insensatamente, pediu aos seus amigos que da próxima vez que ficasse enfermo e pedisse um padre, não atendessem ao seu apelo. E assim foi feito… Ele voltou a adoecer, viu a morte de perto, pediu um confessor, porém este lhe foi negado. Faleceu em meio a surtos de alucinação, gemidos e gritos de pavor, afirmando ver os demônios que vinham buscá-lo para levá-lo ao Inferno. Uma moça contratada para cuidar de Voltaire declarou que os seus últimos dias foram aterrorizantes.

Voltando à pergunta que encabeça este artigo, é curioso notar como o medo, muitas vezes, é mais forte do que a fé. Note-se que não se falou propositadamente em amor x medo, mas em fé x medo, pois a fé precede o amor. Para que eu possa amar algo, é preciso, primeiro, acreditar que esse algo existe. Também não se falou em fé x temor de Deus, pois o temor de Deus não é exatamente a mesma coisa que o medo; é algo mais virtuoso e completo. Espiritualmente falando, é um estágio mais evoluído do que o simples medo, digamos assim.

Segundo o Catecismo de São Pio X, o temor de Deus é um dos sete dons do Espírito Santo, “que nos faz reverenciar a Deus e ter receio de ofender a sua Divina Majestade. Ele nos afasta do mal, incitando-nos ao bem”. Não é, portanto, um mero temor de ser condenado eternamente, mas um dom que nos faz reverenciar a Deus e ter receio de ofendê-Lo.

A questão proposta, contudo, é que, à primeira vista, no mundo há muito mais gente com medo ao invés de fé autêntica, robusta, firme e inabalável. A falta de prática da virtude, de frequência aos sacramentos — sobretudo da Penitência –, de espiritualidade, colabora para que haja mais gente se dizendo crente por receio de se condenar do que por acreditar seriamente nos ensinamentos de Cristo. Vale lembrar que cristão verdadeiro não é só aquele que foi batizado, mas, como nos ensina o Segundo Catecismo, “cristão é todo aquele que é batizado, crê e professa a doutrina e a lei de Jesus Cristo”.

* O autor é teólogo e docente de ensino superior

(Autoriza-se reprodução do artigo com citação do autor.)

Veja também: Os novos kamikazes

sábado, 2 de julho de 2016

Estado Islâmico e a destruição da História

By Fulvio Spada (https://www.flickr.com/photos/lfphotos/5198115876/) [CC BY-SA 2.0], via Wikimedia Commons
Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 20 a 26 de junho/2016 | Ano 10 – Nº 733.

Marcos Antonio Fiorito *

Destruir um templo historicíssimo construído por povos da antiguidade, em nome da religião maometana, alegando combate à idolatria, é algo que nos reporta a tempos de franca obscuridade cultural e intolerância. Sem contar que não são templos em atividade, são apenas relíquias do passado, que nos ajudam a contar melhor a história da civilização.

Lamentavelmente, é algo que se tornou habitual para os militantes do Estado Islâmico. Como se fosse preciso destruir a História para que o passado não sirva de ameaça ao quiçá triunfo da religião maometana, num futuro próximo.

Entre os lugares históricos que já foram alvos da ira terrorista, conta-se o Templo de Baalshamin, na cidade de Palmira, na Síria, que data do século II da era cristã: Dura Europos, cidade na fronteira da Síria com o Iraque, local que teve especial importância no século III a.C.: a cidade de Mari (séc. XXX a.C), um dos nichos arqueológicos mais importantes da fronteira Síria com o Iraque; o mosteiro do mártir Santo Elian de Homs, local de peregrinação dos cristãos. Também a cidade de Apameia foi terrivelmente saqueada e destruída. Atacaram as ruínas da antiguíssima cidade de Nínive, o mesmo fizeram com Hatra, construída pelo Império Selêucida. Explodiram a biblioteca de Mossul, pulverizando documentos importantíssimos da história árabe e devastaram as ruínas de Nimrud, construída há 32 séculos.(1) Paremos por aqui…

O certo é que o prejuízo cultural e arqueológico são imensos e incalculáveis. São patrimônios da humanidade que se perdem para sempre, não há como recuperá-los, como as muralhas de Nimrud, destruídas pelo Estado Islâmico com tratores, escavadeiras e explosivos.

Contemplando o que restou de uma cidade como Palmira, tem-se a sensação de que com ela também morreu parte da identidade histórica da humanidade, pois o mundo conserva os resquícios do passado para compreender com mais exatidão o seu presente e projetar melhor o seu futuro.

Os monumentos da antiguidade que chegaram heroicamente até nós — resistindo a terremotos, furacões e guerras — são como testemunhas do tempo, que atestam a existência de povos e culturas extintas, assentados majestosamente sobre os seus alicerces, como as pirâmides do Egito e o Coliseu de Roma. São obras que confirmam maravilhosamente a narrativa dos historiadores.

Destruir os marcos preciosos da história é o mesmo que apagar o passado, pelo menos em parte, condenando a humanidade a permanecer sem memória. Assemelha-se ao que disse o grande orador romano Marco Túlio Cícero, quando assinalou que “não saber o que aconteceu antes do teu nascimento, seria para ti a mesma coisa que permanecer criança para sempre”.

Estamos assistindo a uma destruição que só é comparável à devastação dos bárbaros na época do Império Romano. Aquela gente, com suas hordas furiosas, derribou construções imponentes e assolou cidades majestosas que, outrora, fizeram a glória dos senhores do mundo.

Quando nos deparamos com tanta selvageria, crueldade e ignorância, somos tentados a dar razão ao poeta irlandês James Joyce, cuja opinião é de que “a História é um pesadelo do qual tentamos acordar”.

(1) Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2016/01/13-locais-historicos-destruidos-pelo-estado-islamico.html

* O autor é teólogo e redator católico

(Autoriza-se reprodução do artigo com citação do autor.)

Veja também: Você já se perguntou por que existe?

Você já se perguntou por que existe?

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Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 06 a 12 de junho/2016 | Ano 10 – Nº 731.

Marcos Antonio Fiorito *

Tão antiga quanto o mundo civilizado é a pergunta “por que existo?”. Sem dúvida é comum, em determinado período de nossa vida, pormo-nos o problema de nossa existência, mesmo porque a rotina do dia-a-dia cansa, dando-nos a sensação que nosso viver não tem sentido. E isso não tem relação alguma com depressão, é simplesmente um problema existencial que atormenta a alma dos seres inteligentes.

Espantoso é imaginar o contrário, que a pessoa viva sem, ao menos uma vez, se importar com a razão de seu existir. Os grandes sábios gregos viviam entrecortados pelo problema teleológico… A teleologia estuda a finalidade, o objeto e o propósito do universo. Ela considera os seres quanto ao fim a que se destinam. Num de seus livros sobre a física, Aristóteles afirma que o fim é o princípio das ações humanas, sendo que o fim último do homem é a felicidade.

Na Grécia antiga, de tal forma os homens mais civilizados se punham o problema de o porquê existiam, que existir passou a ser objeto de estudo. Parmênides é o filósofo que inaugurou o estudo do ser (ontologia), pois procurava compreender o ser na sua totalidade. E note-se que ele voou alto, chegou mesmo a conceber que existia um Ser por excelência: uno, eterno, que não foi gerado e imutável. Ou seja, somente pela razão chegou a um conhecimento de Deus muito aproximado do conceito cristão.

E o homem da antiguidade peregrinou entre mitos e deuses até que, com o nascimento de Cristo, a humanidade conheceu a Revelação que lhe apontou como fim parcial conhecer, amar e servir a Deus e como fim último gozar da visão beatífica na eternidade. São Tomás de Aquino afirma que esta visão é um “bem perfeito”, pois “aquieta todo desejo”. Ou seja, no Céu estaremos plenamente felizes, nenhuma insatisfação nos incomodará.

De uma forma toda ela permeada de beleza, o catecismo da Santa Igreja, em dois de seus parágrafos, resume a história da salvação, a finalidade para a qual nascemos e o destino final da criação:

“Deus, infinitamente Perfeito e Bem-aventurado em si mesmo, em um desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para fazê-lo participar de sua vida bem-aventurada. Eis por que, desde sempre e em todo lugar, está perto do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-lo, a conhecê-lo e a amá-lo com todas as suas forças. Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade de sua família, a Igreja. Faz isto por meio do Filho, que enviou como Redentor e Salvador quando os tempos se cumpriram. Nele e por Ele, chama os homens a se tornarem, no Espírito Santo, seus filhos adotivos, e portanto os herdeiros de sua vida bem-aventurada” (§1).

“A glória de Deus consiste em que se realize esta manifestação e esta comunicação de sua bondade em vista das quais o mundo foi criado. Fazer de nós ‘filhos adotivos por Jesus Cristo: conforme o beneplácito de sua vontade para louvor à glória da sua graça’ (Ef 1,5-6): ‘Pois a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus: se já a revelação de Deus por meio da criação proporcionou a vida a todos os seres que vivem na terra, quanto mais a manifestação do Pai pelo Verbo proporciona a vida àqueles que veem a Deus’. O fim último da criação é que Deus, Criador do universo, tornar-se-á ‘tudo em todas as coisas’ (1Cor 15,28), procurando, ao mesmo tempo, a sua glória e a nossa felicidade” (§294).

Infeliz da civilização pós-moderna, que vem perdendo a fé e o sentido do sagrado, revolvida que está na futilidade, nos prazeres transitórios e no lufa-lufa diário, veleidades que jamais preencherão o seu vazio.

* O autor é teólogo e redator católico

(Autoriza-se reprodução do artigo com citação do autor.)

Veja também: Será o fim da civilização europeia?

terça-feira, 10 de maio de 2016

Fé, Esperança e Caridade

By Coyau [GFDL or CC BY-SA 3.0], via Wikimedia Commons
Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 09 a 15 de maio/2016 | Ano 10 – Nº 727.

Marcos Antonio Fiorito *

Vivemos em uma época em que pouco se fala a respeito das virtudes teologais: fé, esperança e caridade, ensinamento que nos foi transmitido por São Paulo em sua primeira carta aos Coríntios. A fé nos permite acreditar em Deus e nos mistérios sobrenaturais. É possível, como já vimos em outro artigo, provar a existência de Deus pela razão; porém, muitos mistérios, embora não sejam contrários à razão, estão acima dela. Somente à luz da fé podemos “enxergar” e crer em tais verdades. Um exemplo é o mistério da Santíssima Trindade: como conceber três pessoas divinas num só Deus? Tal compreensão só alcançaremos quando estivermos diante de Deus face-a-face.

Outro mistério acima de nossa compreensão terrena é o da Encarnação. Como é possível que um Ser Divino, Imutável, Eterno, Infinito, etc., se una a uma natureza humana, de maneira que coexista em uma só pessoa duas substâncias tão antagônicas?!

Já a virtude da esperança nos mantém na expectativa do triunfo do bem e de nossa salvação eterna, numa palavra, na posse perpétua de Deus. Por isso o Livro da Sabedoria, quando se refere ao sofrimento dos justos, diz: “Ainda que aos olhos dos homens tenham sido castigados, sua esperança estava cheia de imortalidade” (Sb 3, 4).

Por fim, temos a maior de todas a virtudes: a caridade. Na afirmação de São Paulo, a mais excelente das virtudes, pois sem ela todas as nossas ações tornam-se estéreis. Ela se traduz em amor de Deus, ou seja, não é simplesmente o ato de dar esmola, fazer uma boa ação, ajudar um necessitado… É muito mais do que isso, é o próprio amor que se tem ao Criador e ao próximo. Quando Cristo nos ensinou o novo mandamento: “amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado”, Ele atrelou o amor ao próximo ao amor de Deus. Ou seja, devo amar ao próximo por amor ao Criador, ver no próximo um reflexo de Deus.

A caridade é o amor mais puro, excelso e desinteressado que possa haver. Por tal razão São Paulo nos adverte que sem ela nada faz sentido:

“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada. Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria!  A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade jamais acabará. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará. A nossa ciência é parcial, a nossa profecia é imperfeita. Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá” (I Cor. 13, 1-10).

As três virtudes teologais nos são infusas através do batismo e permanecem em nós enquanto estivermos em estado de graça. Lembrando que o homem perde o estado de graça com o pecado mortal e o recupera através do arrependimento sincero e da confissão. São chamadas virtudes teologais por estarem diretamente ligadas a Deus. “Teo” é um elemento de composição de origem grega e significa “Deus”.

Sintetizando: pela fé cremos em Deus; pela esperança aguardamos o dia em que viveremos plenamente na Sua luz; já pela caridade O possuímos transitoriamente, até o céu, quando ela se transformará em glória e, por fim, gozaremos da presença perpétua d’Ele.

* O autor é teólogo e redator católico

(Autoriza-se reprodução do artigo com citação do autor.)

Veja também: Ser cristão ou politicamente correto?

quarta-feira, 30 de março de 2016

Diferença entre Ética e Moral



Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 28 de março a 03 de abril/2016 | Ano 10 – Nº 721.

Marcos Antonio Fiorito *

Desde 2014, quando foi deflagrada a Operação Lava Jato, o País vive uma crise ética e moral sem precedentes. Todos os dias assistimos atônitos revelações envolvendo um esquema gigantesco de lavagem de dinheiro, que envolve, segundo se estima, 40 bilhões de reais.

Delações, prisões, conduções coercitivas, escutas telefônicas, tentativas de obstrução da justiça, etc. Enquanto isso, a Nação naufraga na maior crise política e econômica de sua história.

Não faltou quem, no passado, alertasse para a crise de valores pela qual atravessamos. Embora o problema seja universal, no Brasil ele se reveste de cores ainda mais vibrantes.

Fala-se tanto em falta de ética, falta de moral, contudo, a maioria das pessoas não distinguem bem uma coisa da outra. É verdade que muitas vezes elas se equivalem, porém não são a mesma coisa.

A ética é contemplada em vários cursos de graduação: direito, medicina, teologia, filosofia, administração, sociologia... Só para citar alguns. Inexplicavelmente -- e propositadamente, segundo os teóricos da conspiração --, não se exige disciplina de moral em nenhum momento de nossa formação escolar ou universitária. Em tempos da ditadura militar, havia a disciplina de Educação Moral e Cívica, entretanto, não era lá muito fiável e durou alguns poucos anos.

Enfim, resta ainda o ensino de moral para as graduações de Filosofia e Teologia...

Mas indo direto ao ponto, qual a distinção entre ética e moral? Ambas estudam, avaliam e julgam os atos dos homens, que se distinguem claramente dos atos humanos. Beber água porque se está com sede é um ato próprio do ser humano, é algo instintivo; já decidir se deve agir contra ou conforme a sua consciência é próprio do homem.

A origem da palavra ética vem do grego “ethos”, e significa costume, caráter, etc. É a parte da filosofia que estuda os valores morais e os princípios ideais da conduta humana. É ciência normativa que serve de base à filosofia prática.

A ética procura determinar a finalidade da vida humana e os meios de a alcançar, preconizando juízos de valor que permitem distinguir o bem do mal. Através do comportamento humano ao longo dos séculos, procura entender as regras de moral de maneira mais racional, embasada de forma científica e teórica.

Também se refere ao conjunto de princípios morais que se devem observar no exercício de uma profissão.

Já o termo moral tem sua origem no latim “morale”, e diz respeito aos bons costumes, aos modos de ser. É um conjunto de normas que vivenciamos de forma aplicada em nosso cotidiano quando questionamos o que é certo ou errado, moral ou imoral... Ela orienta as nossas ações em face de inúmeras questões do dia-a-dia.

Os Dez Mandamentos, tão familiar aos nossos ouvidos cristãos, é, por exemplo, um conjunto de leis morais.

Um professor deixar que seus alunos colem deliberadamente na prova será uma atitude antiética. Já o empregado usar de um atestado falso para ludibriar o patrão, será, sem dúvida, um ato de imoralidade.

(Autoriza-se reprodução do artigo com citação do autor.)

* O autor é teólogo e redator católico

quinta-feira, 17 de março de 2016

Sensibilidade moral


Amigo meu que mora em Zaragoza comentou comigo agora que o prefeito de Zaragoza, esquerdista, gastou 800€ com dinheiro da Prefeitura para uma viagem à La Coruña, para participar de uma reunião de seu partido. O povo se escandalizou e pediu a cabeça dele.

Para ver como o brasileiro é casca grossa do ponto de vista sensibilidade moral. É preciso desviar bilhões para que o povo acorde.

terça-feira, 15 de março de 2016

Opção preferencial pela futilidade

By Lecoeur graveur (Etrennes aux Enfans des Deux Sexes) [Public domain], via Wikimedia Commons


Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 14 a 20 de março/2016 | Ano 10 – Nº 719.

Marcos Antonio Fiorito *

Há décadas, o Bem-aventurado Papa João Paulo II, de feliz memória, disse, em relação ao foco de seu pontificado, que teria feito opção preferencial pelos pobres. Ainda que a expressão pareça de índole socialista, em nada tem de comum com uma posição política de esquerda ou com a Teologia da Libertação. Pelo contrário, foi em seu pontificado que o ex-frei Leonardo Boff foi condenado a um silêncio obsequioso.

Parafraseando Sua Santidade, o autor deste artigo escolheu o título “Opção preferencial pela futilidade” para denominar o comportamento de grossa fatia da opinião pública mundial e, sobretudo, brasileira.

Um exemplo disso se deu há algumas poucas semanas, quando o Brasil mergulhou de cabeça no mar voluptuoso das comemorações carnavalescas. Muita gente observou, com a ajuda dos meios de comunicação e das redes sociais, que em certas capitais o Carnaval reuniu assombrosamente mais gente que as recentes manifestações populares, que pleiteavam novos rumos para o País.

O momento é grave, porém, infelizmente, muitos preferem sambar, pular, beber e divertir-se do que procurar entender com seriedade por onde as coisas caminham.

Faz pensar nos governantes da antiga Babilônia que, imprevidentes e descuidados da defesa da cidade, se refestelavam em banquetes e orgias, até que foram surpreendidos pelas hostes persas.

Entretanto, como dito acima, o problema não é só nacional; é global. Chamemos a isso de a globalização da superficialidade. Embora isso seja mais grave num determinado país que noutro, a moléstia se estende a todas as Nações. A tal ponto, que as pessoas mais reflexivas, ponderadas, preocupadas com os destinos de seu país e do mundo carecem de interlocutores. Pelo contrário, são muitas vezes obrigadas a tratarem de assuntos comezinhos para não correr o risco de ficar isoladas.

Uma prova cabal disso temos com as redes sociais. Vídeos de pessoas que se pronunciam sobre política, filosofia ou religião são “n” vezes menos acessados que as assim chamadas vídeo-cassetadas. Perdem feio de qualquer gravação amadora de um cãozinho engraçadinho, que sabe dançar sobre as patas traseiras. Para não falar de clipes obscenos…

Não estamos aqui defendendo a tese de que não há momento para entretenimento, festas e outras formas legítimas de diversão, mas apontando uma real preferência pela banalidade.

E se formos tratar a respeito do conteúdo da TV, o que dá mais audiência? Obviamente são as novelas, reality shows do tipo BBB ou a Fazenda. Talvez isso explique o porquê de programas e filmes cults serem transmitidos de madrugada, afinal, para a indústria da imbecilização, o importante é o vil metal. E quanto mais ignorante for a massa, melhor, pois o espírito crítico atrapalha a condução do gado…

Em 1944, numa radiomensagem, o Papa Pio XII fez uma oportuna e didática distinção entre povo e massa. Sintetizando o seu pensamento, temos que o povo tem vida própria, é lúcido, sensato, cheio de energia e personalidade. Contrariamente, a massa é amorfa, despersonalizada e inconsequente, fácil de ser manipulada e conduzida por qualquer aventureiro…


(Autoriza-se reprodução do artigo com citação do autor.)

* O autor é teólogo e redator católico

Veja também: Almas criadas à imagem e semelhança de Deus

quarta-feira, 9 de março de 2016


Crédito foto: http://canalaetv.com.br/etiquetas/casamento-primeira-vista


A ILUSÃO DE QUE É POSSÍVEL VIVER SEM NUNCA SOFRER

Um dos realities shows favoritos de minha esposa é apresentado no canal A&E, sob o título de "Casamento à Primeira Vista".

Seis pessoas se submeteram ao matrimônio sem sequer ter trocado uma palavra com o cônjuge antes. Inscreveram-se no programa, aceitaram as condições e, pam! Apresentaram-se no local do casamento civil com a cara e a coragem.

Passaram alguns dias juntos e, após alegrias e desentendimentos, tiveram que decidir se continuavam ou se divorciavam. Ou seja, tudo foi feito às avessas. Primeiro casaram, depois foram se conhecer.

Sem entrar no mérito da questão moral que envolve o reality show, causou-me especial curiosidade observar a vida de uma das participantes, de nome Jamie, cujo cônjuge chama-se Doug. O rapaz em tudo parece gente boa; não há tempo ruim pra ele. Já ela, tem a alma marcada por cicatrizes de traumas acumulados desde a mais tenra idade. Passou a infância e parte da adolescência assistindo discussões ásperas entre a mãe e o padrasto. Morou dentro de um trailer e, ao que tudo indica, foi vítima de alguma forma de abuso por parte do padrasto. É o que o programa deixa entrever...

Ela, a duras penas, se formou em enfermagem, mas nem por isso se viu livre de seus traumas. Inscreveu-se no programa do canal A&E e lhe deram Doug como esposo. No dia do casamento, ela o estranhou, teve uma impressão depreciativa do jovem, não gostou de sua aparência, etc. Após hesitar, disse "sim". No entanto, durante as comemorações, sentou-se no chão e chorou...

O jovem Doug a tudo suportou. Ao contrário dela, sentiu-se atraído pela jovem -- de fato bonita --, e mostrou-se satisfeito pela esposa que lhe deram, apesar de notar que ela, até certo ponto, o rejeitava.

Porém os dias de convívio a fizeram perceber que Doug é uma jóia rara. Jovem responsável, romântico, atencioso e de bom temperamento. A família dele a acolheu como se fosse uma filha.

E eis que chega o dia marcado para decidir se continuava casada ou se divorciava. Doug disse "sim", ela também...

O quadro se revertera. Tudo havia mudado, tudo a encantava. Mudaram-se para uma nova casa, maior e melhor. Seu sonho estava se realizando...

Até que ela sente aflorar um desejo enorme de ser mãe. Não se contém, vai almoçar com os pais de Doug e conta tudo pra eles. A família do esposo, entretanto, pede-lhe prudência: -- "Melhor esperar um pouco", dizem.

Ela tenta se conter, mas acaba contando ao marido... E ele se aborrece com a ideia, por achar muito prematuro. Quer ter filhos, mas não agora. E ela se entristece novamente, revive seus dias de incertezas, etc.

Provavelmente tudo acabará bem. Ela irá refrear a ansiedade e engravidar quando for mais conveniente. Seja como for, a vida dela é emblemática, pois exemplifica o quanto a vida nesta terra é cheia de altos e baixos e o quanto o sofrimento se faz presente.

"Quem vence sem dor, triunfa sem glória!" Não iremos encontrar neste mundo nenhum mortal cuja vida é isenta de dificuldades. Por isso é importante sabermos educar nossos filhos para a luta. Infelizmente vê-se muita gente negando a existência do pecado original, inclusive muitos pastores cristãos. Não me refiro exclusivamente aos evangélicos, mas de pastores no sentido daqueles que conduzem seu rebanho de fiéis, portanto, também me refiro aos sacerdotes.

É preciso ensinar nos púlpitos que o pecado original é uma realidade que acompanha o homem desde sua origem. E soma-se ao pecado original muitos outros crimes, que também são causas de sofrimento. Não adianta culpar só Adão e Eva, somos todos responsáveis pelo sofrimento que há no mundo.

O pecado, seja como for, não é paralisante. Deus nos concedeu muitos meios de progredirmos física e espiritualmente: através do arrependimento, dos sacramentos, do amor a Ele e ao próximo. O amor tudo conquista, tudo pode e ao Bem Supremo nos remete. Por isso São João da Cruz afirma que "no entardecer desta vida sereis julgado segundo o amor".

Recomendo também o artigo: Pecado Original e Sofrimento





APRESENTAÇÃO



Meu nome é Marcos Antonio Fiorito e este é o meu blog pessoal. Escolhi o título de Tutti Quanti porque pretendo tratar aqui de assuntos diversos, à medida que eu tenha tempo para escrever. Desde filosofia, religião, sociologia, história, política e tutti quanti!

Aproveitarei também para postar aqui os artigos que escrevo para o jornal Alagoas em Tempo. Espero que os internautas apreciem os assuntos e, sobretudo, como a abordagem é feita.

Aos visitantes, bom proveito!

Marcos