terça-feira, 12 de setembro de 2017

Independência e Inconfidência

Eduardo de Sá [Public domain], via Wikimedia Commons
Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 11 a 17 de setembro/2017 | Ano 11 – Nº 793. 

* Marcos Antonio Fiorito

Há poucos dias, os brasileiros assistiram em inúmeras cidades do País a desfiles e comemorações dos 195 anos da nossa gloriosa independência. E sempre que se celebra o 7 de setembro, é impossível não se lembrar que entre as diversas tentativas dos nacionais de se desgarrarem de Portugal, a mais célebre e marcante foi a da Inconfidência Mineira. Por isso o mês de setembro também é uma boa ocasião para recordar-se de como os fatos se deram naquela ocasião.

Antes de mais nada, é preciso dizer que, além de motivos políticos ligados à revolta para com a Derrama (será explicada mais à frente), havia também um influxo de ideias iluministas que chegavam até o Brasil, em boa medida, através de filhos de colonos ricos que iam estudar em Coimbra. De maneira que além da crise que assolava a administração portuguesa, o iluminismo encontrava na colônia terreno fértil para semear suas ideias libertárias.

A Crise do Antigo Sistema Colonial português deu-se por vários motivos. Interessante ter presente que a ascensão do Marquês de Pombal – figura controversa – contribuiu significativamente para que houvesse muitos colonos descontentes. Na tentativa de modernizar o sistema político e mercantilista português, Pombal agiu de forma bastante arbitrária em seu governo, causando insatisfação tanto em Portugal quanto nas colônias.

Além de tudo, houve um claro distanciamento entre o reino e os seus súditos colonos; e a mão pesada da política fiscal portuguesa fez-se sentir no Brasil dolorosamente, sobretudo na Capitania de Minas Gerais, por conta da extração do ouro. A região era castigada por uma elevada carga de tributos, porém, como nem sempre a quantidade de ouro destinada ao reino era repassada à metrópole, Pombal criou a Derrama, que se tratava de uma cobrança obrigatória que envolvia todos os bens dos mineradores. A Derrama só seria aplicada no caso de que a quota de 100 arrobas de ouro, ou 1500 quilos, não fosse repassada à Coroa.

No Brasil, havia limitação comercial, pouca participação dos luso-brasileiros nas decisões do reino e abusos de toda ordem por parte dos funcionários da Coroa. O fato é que a distância aumentava e os colonos sentiam-se desamparados. Houve muitas manifestações de revoltas nas ruas da colônia, cuja multidão armada exigia fim de algum tributo ou a demissão de algum governante que agia com abuso de autoridade.

 A soma de todos esses fatores, unida aos ideais iluministas e republicanos, levaram a que alguns membros da elite mineira, em 1788, organizassem um movimento contra o domínio português. Tal movimento passou para a História como “Inconfidência Mineira”. A palavra inconfidência pode ser traduzida como infidelidade, e, com efeito, houve infidelidade à Coroa portuguesa.

Entre os inconfidentes, havia verdadeiras personalidades da cultura e sociedade mineira, como Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e, inclusive, sacerdotes. Muita gente desconhece, mas o membro de menor importância do ponto de vista socioeconômico era, justamente, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

O plano dos inconfidentes era, em síntese, aguardar a oficialização da Derrama – que se daria em fevereiro de 1789 – para, então, dar-se início à revolta, que contaria, inclusive, com o apoio dos Dragões. Tiradentes se encarregaria de assassinar o Governador, o Visconde de Barbacena, e uma república independente seria proclamada.

No entanto, o inconfidente Joaquim Silvério dos Reis, atraído pela ideia de ter sua dívida com a Coroa perdoada, entregou os inconfidentes, de sorte que a tentativa acabou malograda. Joaquim José da Silva Xavier foi morto e esquartejado. Os outros foram desterrados para as colônias portuguesas da África.

* O autor é teólogo e escritor. | mfiorito21@gmail.com

Autoriza-se publicação com citação do autor!

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Você sabe o que é ócio criativo?


  photo credit: L'art au présent BERNARD Emile,1888 -
Madeleine au Bois d'Amour (Orsay) - Detail 2
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Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 14 a 20 de agosto/2017 | Ano 11 – Nº 789.

Marcos Antonio Fiorito *

Estamos acostumados a ouvir que “o ócio é o pai de todos os vícios”. Em outra versão, “a preguiça é a mãe de todos os pecados”. Será que podemos fazer uma distinção do ócio enquanto sinônimo de preguiça e do ócio enquanto um período de inércia que é neutro e ainda não contaminado pela languidez? Provavelmente, sim! Antes que algum leitor menos versado em letras interrompa a leitura e recorra a um dicionário para saber o significado de languidez, adianto-lhe aqui, poupando-o do trabalho. Lânguido é aquele que está abatido, sem forças, frouxo...

Estamos sendo protagonistas de uma civilização que há pelo menos um século e meio vive num ritmo desvairado. E quanto mais avançamos tecnologicamente, mais corremos, mais desvairados somos. Imaginar como era lentíssima a comunicação em pleno regime feudal, durante a Alta Idade Média, quando os mares estavam empesteados de piratas árabes, fazendo incursões na costa da Europa, as fronteiras indefinidas e as cidades muradas! Levou um certo tempo até que venezianos e genoveses se encarregassem de limpar o Mediterrâneo, enquanto os portugueses e espanhóis expulsavam os mouros de suas terras. Só assim foi possível estabelecer um comércio mais dinâmico entre as nações europeias e existir uma comunicação mais rápida entre elas, o que não quer dizer muito para os moldes atuais...

De tanto correr, corre-se hoje sem saber a razão de tanta pressa. E, com isso, o homem moderno deixa de lado momentos de quietude que são necessários ao equilíbrio mental. A psiquiatria e a psicologia têm cuidado constantemente de pacientes com sérios problemas de fadiga por conta de uma espécie de hiperatividade mental. São pessoas cujos cérebros trabalham como se estivessem ligados no 220v, mentes que não conseguem descansar, ainda que dormindo – ou tentando dormir...

E a grande realidade que está concernida nisso tudo é que a porcentagem da população que convive com tal problema não é nada desprezível. Pelo contrário, o número de hiperativos mentais só cresce.
Em contrapartida, a ciência começa a olhar com bons olhos para aquela ociosidade boa que permite ao ser humano dar oportunidade para a criatividade. Isso mesmo! Quando o homem equilibra bem o seu tempo e dá a si mesmo chances de contemplar, de ficar inativo por alguns instantes, ele é recompensando pela criatividade. Daí surgem muitas ideias que beneficiam a todos nós, que nos trazem melhorias e descobertas sensacionais.

O ócio criativo é inimigo da atividade improdutiva. O que mais vemos hoje é gente que não consegue mais meditar, não consegue mais contemplar, vive o tempo todo se ocupando para fugir de um estado de equilíbrio mental saudável que é indispensável para a nossa psique. Exemplo disso nós temos quando entramos no metrô e vemos 80% dos passageiros com seus smartphones nas mãos. Uns navegam na internet; outros conversam pelo WhatsApp; os mais novos, mergulhados em jogos, dedilham a tela de forma alucinante; homens de negócios respondem a e-mails e aproveitam para fazer ligações, etc. Enfim, nota-se hoje que sentar e tirar o celular do bolso e começar a deslizar o dedo na tela já se tornou um hábito comuníssimo.

O termo ócio criativo tem um “pai”, e ele se chama Domenico de Masi. Interessante ver que para ele o lazer tem um papel primordial se unido ao estudo e trabalho. E para concluir este artigo, nada mais justo que encerrá-lo com uma frase perspicaz do eminente sociólogo e cientista italiano: "Existe um ócio alienante, que nos faz sentir vazios e inúteis. Mas existe também um outro ócio, que nos faz sentir livres e que é necessário à produção de ideias, assim como as ideias são necessárias ao desenvolvimento da sociedade."

Vamos tirar o chapéu para o Professor de Masi, porque ele, sem dúvida, merece!

* O autor é teólogo e escritor. | mfiorito21@gmail.com

Autoriza-se publicação com citação do autor!

sábado, 8 de julho de 2017

Uma sociedade que nos impele a ter e não ser

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Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 26 de junho a 02 de julho/2017 | Ano 11 – Nº 782.

Marcos Antonio Fiorito *

Quem teve a dita de ler a obra simples, mas cheia de inocência e sentido, de Saint Exupery, “O pequeno príncipe”, conhece bem a frase: “O essencial é invisível aos olhos”. Apesar de a frase ser de todo bela e para lá de verdadeira, infelizmente nossa sociedade está longe de concebê-la como lema e, sobretudo, vivenciá-la.

Quem nunca ouviu de algum familiar, quando criança, que “é preciso levar vantagem em tudo”? Ou “o mundo é dos espertos, os bobos ficam para trás!”. Porque, em realidade, importa ter e não ser. A régua que mede a felicidade segundo o mundo hodierno é possuir dinheiro e bens o suficiente para que se possa ostentar e ser tido por todos como alguém importante. Quando “importante” virou sinônimo de ser rico ou classe média alta. Você é alguém quando tem dinheiro suficiente para gastar e, melhor ainda, luxar. Faz lembrar do cantor sertanejo que quando era motoboy, via-se desprezado por muitas garotas, no entanto, quando apareceu nas ruas de sua cidade com um carro bastante caro e prestigioso, viu “chover em sua horta” muitas candidatas, incluindo as que o desprezavam antes por conta de sua profissão anterior. O fato foi, inclusive, tema de uma música sua.

Em verdade, a sociedade – hoje e em outros tempos –, exerce forte pressão para que o indivíduo tenha e não seja. A máquina de propaganda espetacular sob a qual vivemos nos impele ao consumismo exacerbado. A filosofia consumista repete o refrão de que você não será feliz enquanto não estiver rodeado de ouro e prata, de bens e patrimônios de toda ordem. Quanto mais riquezas possuir, mais chance você terá de encontrar a felicidade.

Faz-nos lembrar de uma frase corriqueira dos anos 70 e 80 que acompanhava, mor das vezes, a saudação de passagem de ano: “Feliz Ano Novo! Saúde e dinheiro no bolso, que é o que importa!”. Havia, inclusive, uma musiquinha bastante brega, que dizia: “Muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender!”. 

A máxima de que se deve ser mais esperto do que os outros e de que tudo vale a pena para enriquecer, ainda que de modo ilícito, justamente encontra repercussão nas pessoas pelo fato de que se acredita que é mais importante ter do que ser. São pessoas que se desfazem de princípios fundamentais, como: não roubar, não prejudicar de nenhuma forma o próximo, não lesar de nenhuma forma a nação, ser honesto custe o que custar, agir com cidadania, etc. Isso explica, perfeitamente, porque acompanhamos hoje nos veículos de imprensa brasileiros, aos borbotões, toda sorte de notícias escandalosas envolvendo empresários e políticos – metidos até o pescoço – em atos degradantes de corrupção.

Sacrifica-se o próprio caráter em troca da ostentação de valores materiais que, muitas vezes, são delapidados pelos herdeiros sem o menor escrúpulo. A vida consumista é superficial e transitória. Ninguém passa para a História porque foi muito abastado. Fala-se tanto de Confúcio, Alexandre Magno, Júlio César, Cleópatra, Nero, Pasteur, Madame Courie, Hitler, Einsten, Madre Teresa de Calcutá, Steve Jobs e tantos outros porque deixaram um legado para a humanidade, seja ele positivo ou negativo. Alexandre Magno era um homem que detinha muitos tesouros e poder, no entanto o conhecemos por sua habilidade na guerra, suas conquistas e o vasto império que formou. O mesmo pode-se dizer de Júlio César. 

A essência do ser é algo que deve prevalecer sempre sobre o que nos cerca. Ser fiel aos seus princípios, ter vida interior e espiritualidade (não só do ponto de vista religioso, mas no sentido de quem alimenta seu espírito com boas energias) traz muito mais paz e alegria do que qualquer conta recheada em banco, um belo carro e estar rodeado de gente falsa que se faz amiga por interesse. 

* O autor é teólogo e escritor. | mfiorito21@gmail.com

Autoriza-se publicação com citação do autor!

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Vanglória: inimiga número um dos nossos dons

photo credit: Saennebueb Architecture Spiral via photopin (license)

Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 05 a 11 de junho/2017 | Ano 11 – Nº 779.

Marcos Antonio Fiorito *

Há quem pense que o maior inimigo de nossos dons, nossas qualidades, seja a inveja. Afinal, ela quer destruir o nosso potencial, devolvê-lo ao nada, pois ele incomoda o invejoso, como se queimasse as suas entranhas com alguma espécie de ácido mortífero. Ledo engano! Há um inimigo ainda mais letal que a inveja, chama-se vaidade.

Em nosso último artigo, abordamos o tema das virtudes segundo a ótica dos antigos gregos, para os quais virtude era sinônimo de um talento natural, como nos ensina o Profº Clóvis de Barros Filho. Em suas aulas sobre Ética na USP, com destacada maestria, esclarece que o grego considerava de forma bastante positiva o fato de a pessoa descobrir as suas potências e desenvolvê-las ao extremo. Sócrates foi citado como exemplo, pois antes de revelar-se filósofo, pensou em ser político ou militar.

Embora séculos tenham se passado, o desafio continua. O homem deve buscar descobrir seus dons, desenvolvê-los e pô-los em prática. No entanto, a inimiga número um de nossas qualidades está sempre à espreita do nosso sucesso: ela se chama vanglória. Ela quer nos encher de vaidade, de soberba, infectando-nos como uma bactéria nociva, a fim de transformar o bom em mau, a virtude em orgulho, o brilho em desdouro…

É comum ouvir das pessoas sensatas o seguinte comentário: “fulano é muito inteligente, fala bem, mas agora ele está cheio de ego! Tornou-se insuportável!”… Nesta mesma linha, quem nunca ouviu algum comentário desfavorável a respeito de determinado jogador de futebol que, embora muito talentoso, começa a se achar muito estrela e perde todo o seu brilho e encanto?

A propósito, o que é estar cheio de ego? Tudo começa olhando para dentro de si e se sentido superior, sentir-se acima do vulgo, julgar-se ultraespecial, muito além da capacidade “do resto”. Em pouco tempo, o admirável astro torna-se opaco, intragável e ridículo. Foi com especial acerto que certa vez disse um sábio: “a melhor forma de perder um dom é olhar para ele”. Por trás destas palavras, vê-se uma verdade retumbante! Enquanto há despretensão, o indivíduo não só encanta a todos e vira objeto de admiração, como seus dons parecem crescer ainda mais. Quando a vaidade se instala, é como uma lepra que vai deteriorando nossas carnes, empanando as virtudes e dando lugar à putrefação moral.

Em seu Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, André Comte-Sponville faz uma bela descrição da virtude da simplicidade: “O simples não se questiona tanto assim sobre si mesmo. Por que ele se aceita como é? (Isso) já seria dizer demais. Ele não se aceita nem se recusa. Não se interroga, não se contempla, não se considera. Não se louva nem se despreza. Ele é o que é, simplesmente, sem desvios, sem afetação, ou antes – pois ser lhe parece uma palavra grandiosa demais para tão pequena existência –, faz o que faz, como todos nós, mas não vê nisso matéria para discursos, para comentários, nem mesmo para reflexão. Ele é como os passarinhos de nossas florestas, leve e silencioso sempre, mesmo quando canta, mesmo quando pousa. (…) O simples vive como respira, sem maiores esforços nem glória, sem maiores efeitos nem vergonha. A simplicidade não é uma virtude que se some à existência. É a própria existência, enquanto nada a ela se soma. Por isso é a mais leve das virtudes, a mais transparente e a mais rara.”

Podemos concluir que, de certa forma, a simplicidade é exatamente a virtude adversa da vanglória. Ela protege os dons da vaidade e os torna cada vez mais viçosos e dignos de toda admiração.

* O autor é teólogo e escritor. | mfiorito21@gmail.com

Autoriza-se publicação com citação do autor!

domingo, 2 de julho de 2017

Conhecer-se e desenvolver o seu potencial

  After Lysippos [CC BY-SA 2.5], via Wikimedia Commons 


Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 15 a 21 de maio/2017 | Ano 11 – Nº 776.

Marcos Antonio Fiorito * 

Quando falamos em virtude partindo do ponto de vista cristão e até de muitas outras religiões, estamos falando no hábito de praticar o bem, praticar aquilo que é condizente com a moral, aquilo que é justo e reto. Note-se que se está falando em hábito, ou seja, numa prática que se repete estavelmente; portanto não se está falando de uma prática sazonal, intermitente. Virtude é uma palavra de origem latina “virtus”, que significa força. De fato, é uma força moral, um vigor, um valor indubitável. E a virtude tem estreita ligação com a nossa vida espiritual, nossa vida interior. Enquanto a virtude é sinônimo de força, de vigor, o vício é sinal de extrema fraqueza de espírito, é a derrota moral.

Curiosamente, para os gregos virtude tinha outro sentido: era sinônimo de um talento natural. É o que nos ensina o Profº Clóvis de Barros Filho em suas aulas sobre Ética na USP ou em uma de suas brilhantes conferências por diversos cantos do País. Com autoridade, ele nos explica que o grego considerava de forma bastante positiva o fato de a pessoa descobrir os seus talentos e desenvolvê-los ao extremo. Isso era tão valorizado, que eram considerados como fracassados aqueles que vivessem como um zé-ninguém, um pária na sociedade, pois estes não puderam descobrir suas virtudes e assim desenvolvê-las a contento. Não seriam bem vistos, ficariam relegados a trabalhos humildes e sem expressão.

Um grego que descobrisse o dom de esculpir e o desabrochasse, teria não só lugar na sociedade, como sentiria que sua vida tem um real sentido. Sócrates procurou em sua vida encaixar-se em outras situações, como político ou militar, no entanto acabou por descobrir que o seu chamado era a busca pela sabedoria. E viver plenamente a sua finalidade fez dele o pai da filosofia antiga.
Passando para o mundo da Roma dos Césares – bastante influenciada pela cultura grega – temos um exemplo estupendo de potencial bem explorado na pessoa do imperador Adriano. Ele era extremamente talentoso, pois lidava com inúmeras artes: escultura, literatura, pintura, línguas, matemática, arquitetura e outras ciências mais. Sem contar suas habilidades voltadas para o mundo do esporte e do atletismo. 

Transpondo esse pensamento para os dias de hoje, vemos que muito disso se repete. Inúmeras pessoas passam pela vida ignorando seu potencial verdadeiro. Parece bastante deprimente a ideia de viver toda uma existência sem conhecer sua principal habilidade, ou habilidades... Mas é o que ocorre, lamentavelmente, com inúmeras pessoas.

O Brasil tem sido um celeiro de revelações do futebol, jovens que se destacam no mundo da bola são transferidos para outros países e lá percorrem uma carreira de fama invejável. Porém quantos outros ignoram que têm tanto talento ou mais que seus conterrâneos de sucesso? Muitos, por capricho do destino, então enfurnados em situações que nunca permitirão que eles explorem e desenvolvam o melhor da sua capacidade.

Obviamente, estamos dando um exemplo do esporte que é a paixão nacional, entretanto há qualidades bem mais expressivas e nobres, como arte musical, oratória, docência, talento para a área de saúde, arquitetura, literatura, direito, vocação religiosa autêntica, etc.

Isso nos leva à conclusão que é preciso ter sabedoria e mente aberta para buscar e explorar o nosso potencial, pois inúmeras são as habilidades. Também é importante ter presente que ninguém nasceu para ser um zé-ninguém, um inútil, um ser incapaz de desabrochar alguma qualidade superior e fazer-se respeitar. Mais uma vez vale, aqui, recordar-se do velho Sócrates quando nos estimula a conhecermo-nos a nós mesmos. Ainda que a frase tenha muita profundeza filosófica, não impede de forma alguma que ela seja interpretada e aplicada ao que propomos.

* O autor é teólogo e escritor. | mfiorito21@gmail.com

Autoriza-se publicação com citação do autor!

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Possuir a verdade ou buscá-la continuamente?


photo credit: jaci XIII A morte de Sócrates via photopin (license)
Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 17 a 23 de abril/2017 | Ano 11 – Nº 775.

Marcos Antonio Fiorito *

Desde os mais remotos tempos, os homens se perdem por acreditar que o que pensam e defendem representa a verdade em absoluto. Isso se repete hoje, e de forma até patética, quando pensamos nas grandes e acaloradas discussões a que se dedicam muitos, resultando, até, em luta corporal.

Não raras vezes desentendimentos levaram povos a guerrearem entre si. Particularmente, as religiões nos impressionam com seu poder de transmitir princípios e valores morais sublimes, porém, frequentemente ficamos assombrados com aquilo que se convencionou chamar de fundamentalismo religioso. Seus adeptos interpretam tudo ao pé da letra e enxergam como verdade universal aquilo que entendem como parâmetro indiscutível para toda a humanidade.

Quando Maomé propôs a religião islâmica aos ismaelitas, não se limitou à Península Arábica, levou a religião de Alá para todo o Oriente Médio, porém não o fez pela pregação e de forma pacífica, mas sim pela força da cimitarra.

Isso se repetiu ao longo dos séculos, principalmente pelos turcos que, sucessores dos árabes, se encarregaram de levar o muçulmanismo até os confins da Ásia. O Império Turco, decadente e enfraquecido, parecia morrer no final do século XIX. Igualmente fraco parecia todo o mundo muçulmano, até que veio a descoberta de petróleo abundante no Oriente Médio e a criação da OPEP, fazendo o antigo inimigo ressurgir das cinzas e ganhar uma senhora sobrevida. Hoje, atônitos, assistimos o Ocidente seriamente ameaçado pelas hostes do Estado Islâmico, Al Qaeda e outras células terroristas.

O fundamentalismo religioso é cego, arrogante e presunçoso. Ele não admite outra verdade a não ser a do seu credo. Ele é, além do mais, limitante, já que o seguidor fanático sequer levanta ou admite a hipótese de que sua religião possa estar equivocada. E o que é mais digno de pena, é que para muitos a sua religião é verdadeira pelo simples fato de ter nascido nela. Ou seja, se ao invés de mórmon, tivesse nascido hinduísta, ele defenderia o hinduísmo da mesma forma, com unhas e dentes.

A Discovery Chanel apresenta em sua grade de programação uma série que reproduz fatos reais intitulada “Cultos Mortais”. Dois deles causam especial espanto, pois tratam de duas mulheres totalmente absortas pelas máximas de suas crenças, uma era adepta da Cientologia, a outra das Testemunhas de Jeová. As consequências disso em suas vidas foram gravíssimas. A primeira, apesar de todos os sinais e apelos dos psiquiatras, negou-se a tratar o filho esquizofrênico com especialistas, pois, segundo o fundador da Cientologia, os psiquiatras são perigosos, aproximam os pacientes do maligno. A segunda, obedecendo aos anciãos das Testemunhas de Jeová, divorciou-se de seu esposo por ter ousado desconfiar das máximas religiosas de sua esposa. Ela casou-se com outro adepto de sua religião, porém ele revelou-se um perigoso psicopata, chegando até mesmo a abusar sexualmente de sua enteada. Aterrorizada, ela apelou várias vezes aos anciãos, porém eles a acusaram de falso testemunho e a proibiram de se divorciar novamente. O fim das duas histórias é deveras trágico... Pode-se assistir aos episódios na íntegra pela internet: Cultos Mortais, temporada 2, episódios 1 e 2.

Lamentavelmente, não se pode evitar que todos sejam vítimas de tal equívoco, porém pode-se tirar, pelo menos, uma sábia lição que nos é dada pela Filosofia. De forma contrária ao que muita gente imagina, a Filosofia não pretende ser a aquisição da verdade, mas a sua busca contínua. A verdade é imensa e divina, de tal forma que nós, reles mortais, nunca a possuiremos em sua totalidade. Se fosse assim, não seríamos meros seres humanos, mas deuses.

* O autor é teólogo e escritor.

Autoriza-se publicação com citação do autor!