domingo, 28 de agosto de 2016

Os Dez Mandamentos e o mundo moderno

Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 15 a 21 de agosto/2016 | Ano 10 – Nº 741.

* Marcos Antonio Fiorito

Gebhard Fugel [Public domain],
 via Wikimedia Commons
A tradição judaico-cristã nos transmitiu através das Sagradas Escrituras a empolgante história da saga de Moisés e o povo hebreu em busca da Terra Prometida. Entre os acontecimentos prodigiosos narrados no livro do Êxodo, temos o dia em que o Senhor entregou a Moisés os 10 Mandamentos, escritos em duas tábuas de pedra (Ex 20, 1-17).

Há quem pergunte, naturalmente, se faz sentido hoje em dia observar leis tão antigas, se elas não estariam obsoletas. Neste sentido, assistia outro dia a uma aula online de ética com um renomado professor de Filosofia e Direito de São Paulo, merecedor de todo respeito e louvor, visto que, provadamente, ele tem um vasto conhecimento, uma invejável didática e uma cativante oratória. Além de tudo, fala com propriedade e autoridade. Ou seja, tem muita competência para tratar sobre questões relativas à ética e moral, e muitas outras coisas... No entanto, quando ele falava do conceito kantiano de moral, chamou-me a atenção uma afirmação dele com respeito aos Dez Mandamentos.

Segundo ele, dez preceitos cobrem insuficientemente o universo de problemas éticos e morais existentes entre nós. Ele argumentava que se em vez de 10 fossem 1000, também não adiantaria, pois novos problemas surgem todos os dias. Depois de aparentemente defender o princípio moral de Kant, que se pode resumir mais ou menos assim: “Se você tem um princípio que concebe como verdadeiro, se você vive esse princípio e gostaria que as outras pessoas também o respeitassem, agissem dessa mesma forma com você, então isso está de acordo com a moral”. Algo parecido com a famosa máxima: “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem com você”. Na mesma linha, ele próprio recordou o mandamento cristão que pede que amemos ao próximo como a nós mesmos.

Será verdade que para os problemas morais de nossos dias os 10 mandamentos são insuficientes? Se nós raciocinarmos com base nos moldes modernos, onde temos calhamaços e calhamaços de códigos com leis, reformulados todos os dias por nossos legisladores que lhes acrescentam leis novas, evidentemente não se pode conceber que apenas 10 preceitos irão dar conta. Mas se pensarmos que o Decálogo (do grego, “dez palavras”) resume perfeitamente os princípios que devem reger as leis dos homens, segundo a ordem natural, então tudo muda.

Um estudo sério em torno dos 10 Mandamentos aponta para o fato de que eles são divina e genialmente concebidos, já que deles pode se depreender inúmeras outras leis. Por exemplo, não havia nos tempos de Moisés gente que consumia drogas como hoje; havia, sim, embriaguez pelo uso imoderado do álcool, e há quem diga que já havia o uso de algum tipo de erva alucinógena... Seja como for, aplica-se aqui Independentemente de qualquer coisa, pode-se aplicar perfeitamente o 5º Mandamento, que proíbe o assassínio, pois são substâncias que intoxicam e prejudicam de forma severa a saúde.

Fala-se em costumes novos que desafiam as nossas leis, como a era digital, que traz hábitos e crimes totalmente inéditos. Porém tudo isso pode ser, de alguma forma, compreendido pelos Mandamentos. Por exemplo, um jovem que passa o dia todo diante do computador jogando ou vendo pornografia transgride o 1º Mandamento, que ordena amar a Deus sobre todas as coisas; transgride também o 6º Mandamento, porque peca contra a castidade; e, provavelmente, fere o 4º Mandamento, porque os pais devem continuamente pedir a ele que use o computador de forma razoável e moderada, no entanto ele os desobedece...

Assim poderíamos aplicar indefinidamente os Mandamentos sobre tantos fatos e hábitos inusitados. Ou seja, longe de ser obsoleto, o Decálogo é perfeitamente atual e normatizador.

* O autor é teólogo e docente de ensino superior

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Você tem medo ou você tem fé?

photo credit: Eu via photopin (license)


Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 1º a 7 de agosto/2016 | Ano 10 – Nº 739.

Marcos Antonio Fiorito *

Já tivemos oportunidade de mencionar aqui, num artigo sobre a existência de Deus, o comentário de Somerset Maughan, escritor britânico nascido no século retrasado. De forma surpreendente e contraditória, ele afirmou ter chegado à convicção de que Deus não existe, porém não havia conseguido alcançar a mesma certeza no respeitante à existência do Inferno. Paradoxal, não?

Vejamos mais um caso curioso: Voltaire, nascido no final do século XVII, embora fosse deísta, abominava a Igreja Católica e os cristãos de modo geral. Escreveu material abundante contra as verdades do cristianismo. Entre suas obras, temos o Dicionário Filosófico, cujo conteúdo é um ataque sistemático ao catolicismo e aos seguidores de Jesus de Nazaré. Nessa obra, tenta desconstruir os dogmas e tudo quanto se refere à Igreja. Porém, já avançado em idade, quando saía de uma cerimônia em sua homenagem, teve dores horríveis no estômago, regurgitando sangue abundante. Em casa, pediu um padre para confessar os seus pecados… O superior do religioso, no entanto, exigiu que para que ele recebesse os sacramentos, antes fizesse uma retratação por escrito que valesse como uma forma de reconhecer seus erros. Assim foi feito e o documento registrado em cartório a fim de que não houvesse sombra de dúvida que Voltaire, o ímpio, havia reconhecido seus pecados e assinado uma declaração de arrependimento. Foi atendido em confissão, recebeu os últimos sacramentos e, prodigiosamente, recobrou a saúde.

Tão logo Voltaire encontrou-se recuperado, viu seus amigos de impiedade acusarem-no de frouxidão, de superstição, de prostrar-se aos pés de um sacerdote por medo dos castigos divinos, etc. Então, insensatamente, pediu aos seus amigos que da próxima vez que ficasse enfermo e pedisse um padre, não atendessem ao seu apelo. E assim foi feito… Ele voltou a adoecer, viu a morte de perto, pediu um confessor, porém este lhe foi negado. Faleceu em meio a surtos de alucinação, gemidos e gritos de pavor, afirmando ver os demônios que vinham buscá-lo para levá-lo ao Inferno. Uma moça contratada para cuidar de Voltaire declarou que os seus últimos dias foram aterrorizantes.

Voltando à pergunta que encabeça este artigo, é curioso notar como o medo, muitas vezes, é mais forte do que a fé. Note-se que não se falou propositadamente em amor x medo, mas em fé x medo, pois a fé precede o amor. Para que eu possa amar algo, é preciso, primeiro, acreditar que esse algo existe. Também não se falou em fé x temor de Deus, pois o temor de Deus não é exatamente a mesma coisa que o medo; é algo mais virtuoso e completo. Espiritualmente falando, é um estágio mais evoluído do que o simples medo, digamos assim.

Segundo o Catecismo de São Pio X, o temor de Deus é um dos sete dons do Espírito Santo, “que nos faz reverenciar a Deus e ter receio de ofender a sua Divina Majestade. Ele nos afasta do mal, incitando-nos ao bem”. Não é, portanto, um mero temor de ser condenado eternamente, mas um dom que nos faz reverenciar a Deus e ter receio de ofendê-Lo.

A questão proposta, contudo, é que, à primeira vista, no mundo há muito mais gente com medo ao invés de fé autêntica, robusta, firme e inabalável. A falta de prática da virtude, de frequência aos sacramentos — sobretudo da Penitência –, de espiritualidade, colabora para que haja mais gente se dizendo crente por receio de se condenar do que por acreditar seriamente nos ensinamentos de Cristo. Vale lembrar que cristão verdadeiro não é só aquele que foi batizado, mas, como nos ensina o Segundo Catecismo, “cristão é todo aquele que é batizado, crê e professa a doutrina e a lei de Jesus Cristo”.

* O autor é teólogo e docente de ensino superior

(Autoriza-se reprodução do artigo com citação do autor.)

Veja também: Os novos kamikazes