sábado, 8 de julho de 2017

Uma sociedade que nos impele a ter e não ser

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Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 26 de junho a 02 de julho/2017 | Ano 11 – Nº 782.

Marcos Antonio Fiorito *

Quem teve a dita de ler a obra simples, mas cheia de inocência e sentido, de Saint Exupery, “O pequeno príncipe”, conhece bem a frase: “O essencial é invisível aos olhos”. Apesar de a frase ser de todo bela e para lá de verdadeira, infelizmente nossa sociedade está longe de concebê-la como lema e, sobretudo, vivenciá-la.

Quem nunca ouviu de algum familiar, quando criança, que “é preciso levar vantagem em tudo”? Ou “o mundo é dos espertos, os bobos ficam para trás!”. Porque, em realidade, importa ter e não ser. A régua que mede a felicidade segundo o mundo hodierno é possuir dinheiro e bens o suficiente para que se possa ostentar e ser tido por todos como alguém importante. Quando “importante” virou sinônimo de ser rico ou classe média alta. Você é alguém quando tem dinheiro suficiente para gastar e, melhor ainda, luxar. Faz lembrar do cantor sertanejo que quando era motoboy, via-se desprezado por muitas garotas, no entanto, quando apareceu nas ruas de sua cidade com um carro bastante caro e prestigioso, viu “chover em sua horta” muitas candidatas, incluindo as que o desprezavam antes por conta de sua profissão anterior. O fato foi, inclusive, tema de uma música sua.

Em verdade, a sociedade – hoje e em outros tempos –, exerce forte pressão para que o indivíduo tenha e não seja. A máquina de propaganda espetacular sob a qual vivemos nos impele ao consumismo exacerbado. A filosofia consumista repete o refrão de que você não será feliz enquanto não estiver rodeado de ouro e prata, de bens e patrimônios de toda ordem. Quanto mais riquezas possuir, mais chance você terá de encontrar a felicidade.

Faz-nos lembrar de uma frase corriqueira dos anos 70 e 80 que acompanhava, mor das vezes, a saudação de passagem de ano: “Feliz Ano Novo! Saúde e dinheiro no bolso, que é o que importa!”. Havia, inclusive, uma musiquinha bastante brega, que dizia: “Muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender!”. 

A máxima de que se deve ser mais esperto do que os outros e de que tudo vale a pena para enriquecer, ainda que de modo ilícito, justamente encontra repercussão nas pessoas pelo fato de que se acredita que é mais importante ter do que ser. São pessoas que se desfazem de princípios fundamentais, como: não roubar, não prejudicar de nenhuma forma o próximo, não lesar de nenhuma forma a nação, ser honesto custe o que custar, agir com cidadania, etc. Isso explica, perfeitamente, porque acompanhamos hoje nos veículos de imprensa brasileiros, aos borbotões, toda sorte de notícias escandalosas envolvendo empresários e políticos – metidos até o pescoço – em atos degradantes de corrupção.

Sacrifica-se o próprio caráter em troca da ostentação de valores materiais que, muitas vezes, são delapidados pelos herdeiros sem o menor escrúpulo. A vida consumista é superficial e transitória. Ninguém passa para a História porque foi muito abastado. Fala-se tanto de Confúcio, Alexandre Magno, Júlio César, Cleópatra, Nero, Pasteur, Madame Courie, Hitler, Einsten, Madre Teresa de Calcutá, Steve Jobs e tantos outros porque deixaram um legado para a humanidade, seja ele positivo ou negativo. Alexandre Magno era um homem que detinha muitos tesouros e poder, no entanto o conhecemos por sua habilidade na guerra, suas conquistas e o vasto império que formou. O mesmo pode-se dizer de Júlio César. 

A essência do ser é algo que deve prevalecer sempre sobre o que nos cerca. Ser fiel aos seus princípios, ter vida interior e espiritualidade (não só do ponto de vista religioso, mas no sentido de quem alimenta seu espírito com boas energias) traz muito mais paz e alegria do que qualquer conta recheada em banco, um belo carro e estar rodeado de gente falsa que se faz amiga por interesse. 

* O autor é teólogo e escritor. | mfiorito21@gmail.com

Autoriza-se publicação com citação do autor!

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Vanglória: inimiga número um dos nossos dons

photo credit: Saennebueb Architecture Spiral via photopin (license)

Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 05 a 11 de junho/2017 | Ano 11 – Nº 779.

Marcos Antonio Fiorito *

Há quem pense que o maior inimigo de nossos dons, nossas qualidades, seja a inveja. Afinal, ela quer destruir o nosso potencial, devolvê-lo ao nada, pois ele incomoda o invejoso, como se queimasse as suas entranhas com alguma espécie de ácido mortífero. Ledo engano! Há um inimigo ainda mais letal que a inveja, chama-se vaidade.

Em nosso último artigo, abordamos o tema das virtudes segundo a ótica dos antigos gregos, para os quais virtude era sinônimo de um talento natural, como nos ensina o Profº Clóvis de Barros Filho. Em suas aulas sobre Ética na USP, com destacada maestria, esclarece que o grego considerava de forma bastante positiva o fato de a pessoa descobrir as suas potências e desenvolvê-las ao extremo. Sócrates foi citado como exemplo, pois antes de revelar-se filósofo, pensou em ser político ou militar.

Embora séculos tenham se passado, o desafio continua. O homem deve buscar descobrir seus dons, desenvolvê-los e pô-los em prática. No entanto, a inimiga número um de nossas qualidades está sempre à espreita do nosso sucesso: ela se chama vanglória. Ela quer nos encher de vaidade, de soberba, infectando-nos como uma bactéria nociva, a fim de transformar o bom em mau, a virtude em orgulho, o brilho em desdouro…

É comum ouvir das pessoas sensatas o seguinte comentário: “fulano é muito inteligente, fala bem, mas agora ele está cheio de ego! Tornou-se insuportável!”… Nesta mesma linha, quem nunca ouviu algum comentário desfavorável a respeito de determinado jogador de futebol que, embora muito talentoso, começa a se achar muito estrela e perde todo o seu brilho e encanto?

A propósito, o que é estar cheio de ego? Tudo começa olhando para dentro de si e se sentido superior, sentir-se acima do vulgo, julgar-se ultraespecial, muito além da capacidade “do resto”. Em pouco tempo, o admirável astro torna-se opaco, intragável e ridículo. Foi com especial acerto que certa vez disse um sábio: “a melhor forma de perder um dom é olhar para ele”. Por trás destas palavras, vê-se uma verdade retumbante! Enquanto há despretensão, o indivíduo não só encanta a todos e vira objeto de admiração, como seus dons parecem crescer ainda mais. Quando a vaidade se instala, é como uma lepra que vai deteriorando nossas carnes, empanando as virtudes e dando lugar à putrefação moral.

Em seu Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, André Comte-Sponville faz uma bela descrição da virtude da simplicidade: “O simples não se questiona tanto assim sobre si mesmo. Por que ele se aceita como é? (Isso) já seria dizer demais. Ele não se aceita nem se recusa. Não se interroga, não se contempla, não se considera. Não se louva nem se despreza. Ele é o que é, simplesmente, sem desvios, sem afetação, ou antes – pois ser lhe parece uma palavra grandiosa demais para tão pequena existência –, faz o que faz, como todos nós, mas não vê nisso matéria para discursos, para comentários, nem mesmo para reflexão. Ele é como os passarinhos de nossas florestas, leve e silencioso sempre, mesmo quando canta, mesmo quando pousa. (…) O simples vive como respira, sem maiores esforços nem glória, sem maiores efeitos nem vergonha. A simplicidade não é uma virtude que se some à existência. É a própria existência, enquanto nada a ela se soma. Por isso é a mais leve das virtudes, a mais transparente e a mais rara.”

Podemos concluir que, de certa forma, a simplicidade é exatamente a virtude adversa da vanglória. Ela protege os dons da vaidade e os torna cada vez mais viçosos e dignos de toda admiração.

* O autor é teólogo e escritor. | mfiorito21@gmail.com

Autoriza-se publicação com citação do autor!

domingo, 2 de julho de 2017

Conhecer-se e desenvolver o seu potencial

  After Lysippos [CC BY-SA 2.5], via Wikimedia Commons 


Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 15 a 21 de maio/2017 | Ano 11 – Nº 776.

Marcos Antonio Fiorito * 

Quando falamos em virtude partindo do ponto de vista cristão e até de muitas outras religiões, estamos falando no hábito de praticar o bem, praticar aquilo que é condizente com a moral, aquilo que é justo e reto. Note-se que se está falando em hábito, ou seja, numa prática que se repete estavelmente; portanto não se está falando de uma prática sazonal, intermitente. Virtude é uma palavra de origem latina “virtus”, que significa força. De fato, é uma força moral, um vigor, um valor indubitável. E a virtude tem estreita ligação com a nossa vida espiritual, nossa vida interior. Enquanto a virtude é sinônimo de força, de vigor, o vício é sinal de extrema fraqueza de espírito, é a derrota moral.

Curiosamente, para os gregos virtude tinha outro sentido: era sinônimo de um talento natural. É o que nos ensina o Profº Clóvis de Barros Filho em suas aulas sobre Ética na USP ou em uma de suas brilhantes conferências por diversos cantos do País. Com autoridade, ele nos explica que o grego considerava de forma bastante positiva o fato de a pessoa descobrir os seus talentos e desenvolvê-los ao extremo. Isso era tão valorizado, que eram considerados como fracassados aqueles que vivessem como um zé-ninguém, um pária na sociedade, pois estes não puderam descobrir suas virtudes e assim desenvolvê-las a contento. Não seriam bem vistos, ficariam relegados a trabalhos humildes e sem expressão.

Um grego que descobrisse o dom de esculpir e o desabrochasse, teria não só lugar na sociedade, como sentiria que sua vida tem um real sentido. Sócrates procurou em sua vida encaixar-se em outras situações, como político ou militar, no entanto acabou por descobrir que o seu chamado era a busca pela sabedoria. E viver plenamente a sua finalidade fez dele o pai da filosofia antiga.
Passando para o mundo da Roma dos Césares – bastante influenciada pela cultura grega – temos um exemplo estupendo de potencial bem explorado na pessoa do imperador Adriano. Ele era extremamente talentoso, pois lidava com inúmeras artes: escultura, literatura, pintura, línguas, matemática, arquitetura e outras ciências mais. Sem contar suas habilidades voltadas para o mundo do esporte e do atletismo. 

Transpondo esse pensamento para os dias de hoje, vemos que muito disso se repete. Inúmeras pessoas passam pela vida ignorando seu potencial verdadeiro. Parece bastante deprimente a ideia de viver toda uma existência sem conhecer sua principal habilidade, ou habilidades... Mas é o que ocorre, lamentavelmente, com inúmeras pessoas.

O Brasil tem sido um celeiro de revelações do futebol, jovens que se destacam no mundo da bola são transferidos para outros países e lá percorrem uma carreira de fama invejável. Porém quantos outros ignoram que têm tanto talento ou mais que seus conterrâneos de sucesso? Muitos, por capricho do destino, então enfurnados em situações que nunca permitirão que eles explorem e desenvolvam o melhor da sua capacidade.

Obviamente, estamos dando um exemplo do esporte que é a paixão nacional, entretanto há qualidades bem mais expressivas e nobres, como arte musical, oratória, docência, talento para a área de saúde, arquitetura, literatura, direito, vocação religiosa autêntica, etc.

Isso nos leva à conclusão que é preciso ter sabedoria e mente aberta para buscar e explorar o nosso potencial, pois inúmeras são as habilidades. Também é importante ter presente que ninguém nasceu para ser um zé-ninguém, um inútil, um ser incapaz de desabrochar alguma qualidade superior e fazer-se respeitar. Mais uma vez vale, aqui, recordar-se do velho Sócrates quando nos estimula a conhecermo-nos a nós mesmos. Ainda que a frase tenha muita profundeza filosófica, não impede de forma alguma que ela seja interpretada e aplicada ao que propomos.

* O autor é teólogo e escritor. | mfiorito21@gmail.com

Autoriza-se publicação com citação do autor!